sábado, 16 de abril de 2016

Do respeito em espaços públicos ou o direito ao sossego

Sábado de manhã. Aquele momento maravilhoso em que, se não tivermos de trabalhar, podemos fazer o que bem entendermos: dormir, ir ao ginásio, às compras, arrumar, tomar o pequeno almoço fora, fazer tudo isto ou pura e simplesmente não fazer nada.

Há sempre uma pastelaria por perto onde quer que moremos. Para mim esse lugar ficava perto da casa dos meus pais, numa zona onde também morei até há bem pouco tempo. Foram anos de pequenos almoços deliciosos, com uma vista fantástica sobre a vila, banhados pela luz quente do sol que entrava pelas janelas de vidro numa abundância quase obscena, de tão agradável.

Até que o Vicente nasceu.

O Vicente nasceu e era um bebé adorável. Calmo, tranquilo, engraçado. A mãe, orgulhosa, adorava mostrar a toda a gente o resultado da sua lotaria genética. Alimentava-se dos elogios rasgados à sua criança. Os anos passaram e o Vicente começou a falar, começou a andar. E depois veio a irmã do Vicente. E as horas de calmaria com o galão directo e a torrada perfeita a acompanhar as revistas de referência foram substituídas por horas infindáveis de barulho, pontapés na mesa, cadeiras a balouçar, repetições infinitas de “anda cá!” “não faças isso!” “está quieto!” “ó mãnheeee, eu quero aquiiiiilo...” que cansam até quem está no outro lado do estabelecimento.

No rescaldo das suas visitas à pastelaria, esta família deixa atrás de si uma mesa em pantanas, com açúcar espalhado por todo o lado, chávenas viradas, pães meios comidos, guardanapos ensopados em leite com café e... as duas televisões no canal panda.

Este último espisódio foi o que mais me chamou a atenção pelo sentido de entitlement que traduz. Nunca vou perceber o que leva a mãe do Vicente a achar que pode pura e simplesmente chegar, fazer o barulho que lhe apetecer e pedir para mudar o canal da tv.
Não sei se alguém estaria atento à tv. Regra geral, gosto de ouvir as notícias matinais enquanto vou lendo as revistas de fim de semana. Parece-me que mesmo que estivesse, o tom do pedido da mãe, deixava pouco espaço a recusas ou ponderações.

Os sorrisos e os ‘bom dia, tudo bem?’ foram desaparecendo e deram lugar a olhares reprovadores que nas mais das vezes não surtem grande efeito para lá da vergonha momentânea da mãe ou do pai. Sim, porque a trabalheira é tal que os pais vão com eles à vez tomar o pequeno almoço.

Se com o sentimento de que o mundo deve acomodar-me a mim e aos meus filhos vem uma paciência quase inaudita na mãe do Vicente, com o pai a história é outra. O tom exasperado que inevitavelmente aparece nos dois, chega muito mais cedo no pai.
Não sei se vos acontece, mas ouvir o desespero na voz de alguém que notoriamente só quer tomar o pequeno almoço (ou fazer outra coisa qualquer) em paz mas não consegue, faz-me subir o ritmo cardíaco. Já para não falar na incapacidade latente de não se controlar o volume da voz num espaço público, onde estão outras pessoas a disfrutar do seu tempo.

Ora, já lá diz o ditado que quem não está bem, muda-se. E foi o que fiz. Já tinha começado a procurar outros sítios onde ir, mas com a minha recente mudança de cidade por motivos profissionais também não foi difícil. Foi apenas um bónus.

E a pastelaria aqui em frente à minha casa tem imensa luz, pão maravilhoso e um ambiente calmo e tranquilo. Voltaram as horas de sossego, a disfrutar das pequenas coisas boas que a vida tem. Perfeito!

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