Sábado de manhã.
Aquele momento maravilhoso em que, se não tivermos de trabalhar, podemos fazer
o que bem entendermos: dormir, ir ao ginásio, às compras, arrumar, tomar o
pequeno almoço fora, fazer tudo isto ou pura e simplesmente não fazer nada.
Há sempre uma
pastelaria por perto onde quer que moremos. Para mim esse lugar ficava perto da
casa dos meus pais, numa zona onde também morei até há bem pouco tempo. Foram
anos de pequenos almoços deliciosos, com uma vista fantástica sobre a vila, banhados
pela luz quente do sol que entrava pelas janelas de vidro numa abundância quase
obscena, de tão agradável.
Até que o
Vicente nasceu.
O Vicente nasceu
e era um bebé adorável. Calmo, tranquilo, engraçado. A mãe, orgulhosa, adorava
mostrar a toda a gente o resultado da sua lotaria genética. Alimentava-se dos
elogios rasgados à sua criança. Os anos
passaram e o Vicente começou a falar, começou a andar. E depois veio a irmã do Vicente. E as horas de calmaria
com o galão directo e a torrada perfeita a acompanhar as revistas de referência
foram substituídas por horas infindáveis de barulho, pontapés na mesa, cadeiras
a balouçar, repetições infinitas de “anda cá!” “não faças isso!” “está quieto!”
“ó mãnheeee, eu quero aquiiiiilo...” que cansam até quem está no outro lado do
estabelecimento.
No rescaldo das
suas visitas à pastelaria, esta família deixa atrás de si uma mesa em pantanas,
com açúcar espalhado por todo o lado, chávenas viradas, pães meios comidos,
guardanapos ensopados em leite com café e... as duas televisões no canal panda.
Este último
espisódio foi o que mais me chamou a atenção pelo sentido de entitlement que traduz. Nunca vou
perceber o que leva a mãe do Vicente a achar que pode pura e simplesmente
chegar, fazer o barulho que lhe apetecer e pedir para mudar o canal da tv.
Não sei se alguém estaria atento à tv. Regra geral, gosto de ouvir as notícias matinais enquanto vou lendo as revistas de fim de semana. Parece-me que mesmo que estivesse, o tom do pedido da mãe, deixava pouco espaço a recusas ou ponderações.
Os sorrisos e os ‘bom dia, tudo bem?’ foram desaparecendo e deram lugar a olhares reprovadores que nas mais das vezes não surtem grande efeito para lá da vergonha
momentânea da mãe ou do pai. Sim, porque a trabalheira é tal que os pais vão com eles à vez tomar o pequeno almoço.
Se com o
sentimento de que o mundo deve
acomodar-me a mim e aos meus filhos vem uma paciência quase inaudita na mãe
do Vicente, com o pai a história é outra. O tom exasperado que inevitavelmente
aparece nos dois, chega muito mais cedo no pai.
Não sei se vos
acontece, mas ouvir o desespero na voz de alguém que notoriamente só quer tomar
o pequeno almoço (ou fazer outra coisa qualquer) em paz mas não consegue,
faz-me subir o ritmo cardíaco. Já para não falar na incapacidade latente de não
se controlar o volume da voz num espaço público, onde estão outras pessoas a
disfrutar do seu tempo.
Ora, já lá diz o
ditado que quem não está bem, muda-se. E foi o que fiz. Já tinha começado a
procurar outros sítios onde ir, mas com a minha recente mudança de cidade por
motivos profissionais também não foi difícil. Foi apenas um bónus.
E a pastelaria
aqui em frente à minha casa tem imensa luz, pão maravilhoso e um ambiente calmo
e tranquilo. Voltaram as horas de sossego, a disfrutar das pequenas coisas boas
que a vida tem. Perfeito!
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