sexta-feira, 15 de abril de 2016

Não quero ter filhos - Das justificações e julgamentos

Já todas passamos por isso. Aquele momento em que queremos responder “Ah não, eu não quero ter filhos” e desejamos que a conversa fique por ali, sem perguntas nem juízos de valor.
Afinal, porque haveríamos de justificar uma opção pessoal a alguém que erradamente assume a sua opinião sobre a nossa vida como válida e necessária?

No entanto, uma pesquisa rápida no google mostra-me um mundo de páginas cheias de razões e justificações para a falta de desejo de procriar.
As razões para não querermos ser mães são inúmeras e cada uma terá as suas. Todas válidas, todas exclusivas. Pensadas, ponderadas. Íntimas e pessoais. Razões essas constantemente questionadas, desvalorizadas, julgadas. Em alta voz, em praça pública, como convém ao mais sanguinário dos julgamentos.

Não sei se o meu percurso na tomada de consciência da minha decisão é semelhante ao de tantas outras mulheres que não querem ser mães. Reconheço pelo menos duas fases: a primeira, nos estágios iniciais da tomada de consciência, trazia as tentativas de me justificar. Posteriormente, a ponderação: afinal, porque é que as pessoas se acham no direito de fazerem observações sobre uma decisão tão pessoal?

Quem me conhece sabe que não sou adepta de justificações, muito menos de deixar que se intrometam na minha vida. Por isso muito raramente senti na pele esse julgamento, esse questionar de convicções. Mas não deixo de me identificar com as mulheres que sentem não poderem falar livremente sobre a sua opção. Sim, porque se não senti na pele esse tipo de julgamento, também o devo à opção ocasional pelo silêncio.

O tempo permitiu-me distinguir dois tipos de intromissão: a pontual, que é efectuada em conversa de circunstância, e o questionamento reiterado, por parte de quem conhece a opção, com a intenção de nos fazer sentir que há algo de errado connosco.
A primeira, que é a que encontro mais frequentemente, chega sob a forma de observações inocentes e sem conteúdo subliminar. Na maior parte das vezes, feita por pessoas pertencentes à geração dos baby boomers, algumas da Generation X, que têm filhos da minha idade. Por vezes pessoas da geração dos meus avós. A estes perdoo-lhes a intromissão, sorrio e respondo que “hoje em dia é difícil” ou que “depois logo se vê”.

Não ouço julgamento nas suas palavras, nem leio malícia nas observações. Entendo-os como pessoas de uma geração diferente, em que a vida era outra. Salvo raras excepções, vejo-os como pessoas felizes, que levaram (e levam) vidas felizes, cada um à sua maneira. E como tal, entendem que a sua medida para a felicidade será também a minha. Entendo que me desejam a mesma felicidade que encontraram para si. A estes não vejo razão para justificações, muito menos para começar um debate não solicitado sobre aquilo que devo fazer com o meu útero.

Se me custa ficar calada? Sinceramente, não. Mesmo que lhes saia uma data de julgamentos pela boca fora, o factor diferenciador aqui é que geralmente não se apercebem de que o fazem. A segurança da decisão tomada faz-me sentir que é minha, e estas não são as pessoas a quem devo explicações.
O questionamento reiterado, que constitui o segundo tipo, parece ter tomado proporções de epidemia. Irónico, maledicente, muitas vezes disfarçado de bom conselho. A avaliar pelas centenas de testemunhos online, parece ser mais frequente do que o desejável.
Escrutinando outros tantos depoimentos dos corajosos anónimos que tecem estes julgamentos online, não parece haver uniformidade no perfil, apesar de existirem pontos comuns.

O que é que transparece então?
Nota-se uma tendência ao não questionamento. Isto é, a fórmula que lhes foi vendida como sendo caminho único para a felicidade suprema parece nunca ter sido questionada, ou ponderada sequer. Há muitas certezas e verdades absolutas e uma incapacidade latente de pensar numa forma de felicidade diferente da que lhes foi impingida, que acreditam ser a única possível.

Parece haver também o sentimento de pertença a um clube exclusivo de mártires e experienciadoras do amor supremo, facto que lhes confere uma autoridade moral difícil de igualar. Pontualmente, transparece a pouca escolaridade, a pouca fé nas possibilidades da vida, a resignação e, atrevo-me a dizê-lo, a pertença a meios relativamente pequenos, talvez rurais. Não existe um perfil único, apenas pontos comuns.
Estes são os espécimes que na maior parte das vezes me fazem optar pelo silêncio. Quem nunca sentiu na pele ou não conhece alguém que foi prontamente acusado de egoísmo, de não saber o que quer, de ir morrer velho e sozinho, etc?

Tempos houve em que este tipo de comentários, lidos ou relatados por alguém, faziam despertar em mim o lado mais colérico e indignado. O tempo trouxe-me calma, e a noção de que esta incapacidade de tolerância da diferença traduz uma pequenez de espírito que não merece indignação ou resposta pronta. Se merece o silêncio? Também acredito que não. Mas não vejo utilidade em tentar convencer os outros das minhas convicções. Afinal, isto serve para os dois lados, certo? Então, vejo como mais produtiva uma simples afirmação, do que uma miríade de argumentos e justificações. Ou até, porque não, um simples sorriso, acompanhado pelo silêncio? Cada uma terá as suas estratégias, as suas respostas prontas, as suas formas de lidar com o julgamento e a intromissão.

Pessoalmente, prefiro um sorriso aberto e um simples “cada uma é feliz à sua maneira”. E vocês? 

Sem comentários:

Enviar um comentário