Já todas
passamos por isso. Aquele momento em que queremos responder “Ah não, eu não
quero ter filhos” e desejamos que a conversa fique por ali, sem perguntas nem
juízos de valor.
Afinal, porque
haveríamos de justificar uma opção pessoal a alguém que erradamente assume a
sua opinião sobre a nossa vida como válida e necessária?
No entanto, uma
pesquisa rápida no google mostra-me um mundo de páginas cheias de razões e
justificações para a falta de desejo de procriar.
As razões para
não querermos ser mães são inúmeras e cada uma terá as suas. Todas válidas,
todas exclusivas. Pensadas, ponderadas. Íntimas e pessoais. Razões essas
constantemente questionadas, desvalorizadas, julgadas. Em alta voz, em praça
pública, como convém ao mais sanguinário dos julgamentos.
Não sei se o meu
percurso na tomada de consciência da minha decisão é semelhante ao de tantas
outras mulheres que não querem ser mães. Reconheço pelo menos duas fases: a
primeira, nos estágios iniciais da tomada de consciência, trazia as tentativas
de me justificar. Posteriormente, a ponderação: afinal, porque é que as pessoas se acham no direito de fazerem
observações sobre uma decisão tão pessoal?
Quem me conhece
sabe que não sou adepta de justificações, muito menos de deixar que se
intrometam na minha vida. Por isso muito raramente senti na pele esse
julgamento, esse questionar de convicções. Mas não deixo de me identificar com
as mulheres que sentem não poderem falar livremente sobre a sua opção. Sim,
porque se não senti na pele esse tipo de julgamento, também o devo à opção
ocasional pelo silêncio.
O tempo
permitiu-me distinguir dois tipos de intromissão: a pontual, que é efectuada em
conversa de circunstância, e o questionamento reiterado, por parte de quem
conhece a opção, com a intenção de nos fazer sentir que há algo de errado
connosco.
A primeira, que
é a que encontro mais frequentemente, chega sob a forma de observações
inocentes e sem conteúdo subliminar. Na maior parte das vezes, feita por
pessoas pertencentes à geração dos baby
boomers, algumas da Generation X,
que têm filhos da minha idade. Por vezes pessoas da geração dos meus avós. A
estes perdoo-lhes a intromissão, sorrio e respondo que “hoje em dia é difícil”
ou que “depois logo se vê”.
Não ouço
julgamento nas suas palavras, nem leio malícia nas observações. Entendo-os como
pessoas de uma geração diferente, em que a vida era outra. Salvo raras
excepções, vejo-os como pessoas felizes, que levaram (e levam) vidas felizes,
cada um à sua maneira. E como tal, entendem que a sua medida para a felicidade
será também a minha. Entendo que me desejam a mesma felicidade que encontraram
para si. A estes não vejo razão para justificações, muito menos para começar um
debate não solicitado sobre aquilo que devo fazer com o meu útero.
Se me custa
ficar calada? Sinceramente, não. Mesmo que lhes saia uma data de julgamentos
pela boca fora, o factor diferenciador aqui é que geralmente não se apercebem
de que o fazem. A segurança da decisão tomada faz-me sentir que é minha, e
estas não são as pessoas a quem devo explicações.
O questionamento
reiterado, que constitui o segundo tipo, parece ter tomado proporções de
epidemia. Irónico, maledicente, muitas vezes disfarçado de bom conselho. A avaliar
pelas centenas de testemunhos online, parece ser mais frequente do que o
desejável.
Escrutinando
outros tantos depoimentos dos corajosos anónimos que tecem estes julgamentos
online, não parece haver uniformidade no perfil, apesar de existirem pontos comuns.
O que é que
transparece então?
Nota-se uma
tendência ao não questionamento. Isto é, a fórmula que lhes foi vendida como
sendo caminho único para a felicidade suprema parece nunca ter sido
questionada, ou ponderada sequer. Há muitas certezas e verdades absolutas e uma
incapacidade latente de pensar numa forma de felicidade diferente da que lhes
foi impingida, que acreditam ser a única possível.
Parece haver
também o sentimento de pertença a um clube exclusivo de mártires e
experienciadoras do amor supremo, facto que lhes confere uma autoridade moral
difícil de igualar. Pontualmente, transparece a pouca escolaridade, a pouca fé
nas possibilidades da vida, a resignação e, atrevo-me a dizê-lo, a pertença a
meios relativamente pequenos, talvez rurais. Não existe um perfil único, apenas
pontos comuns.
Estes são os
espécimes que na maior parte das vezes me fazem optar pelo silêncio. Quem nunca
sentiu na pele ou não conhece alguém que foi prontamente acusado de egoísmo, de
não saber o que quer, de ir morrer velho e sozinho, etc?
Tempos houve em
que este tipo de comentários, lidos ou relatados por alguém, faziam despertar
em mim o lado mais colérico e indignado. O tempo trouxe-me calma, e a noção de
que esta incapacidade de tolerância da diferença traduz uma pequenez de
espírito que não merece indignação ou resposta pronta. Se merece o silêncio?
Também acredito que não. Mas não vejo utilidade em tentar convencer os outros
das minhas convicções. Afinal, isto serve para os dois lados, certo? Então,
vejo como mais produtiva uma simples afirmação, do que uma miríade de
argumentos e justificações. Ou até, porque não, um simples sorriso, acompanhado
pelo silêncio? Cada uma terá as suas estratégias, as suas respostas prontas, as
suas formas de lidar com o julgamento e a intromissão.
Pessoalmente,
prefiro um sorriso aberto e um simples “cada uma é feliz à sua maneira”. E
vocês?
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